quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

O apanhador de desperdício

por Manoel de Barros



Uso as palavras para compor os meus silêncios
Não gosto das palavras
Cansadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga para o chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes.
Prezo insetos mais do que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais do que dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
Sou da invencionática.
Só uso as palavras para compor meus silêncios.


do livro "Memórias Inventadas – A segunda infância" que ganhei hoje no Amigo Oculto aqui da sala. Me encanta a desescrita de Manoel.

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